CANTARES DE SALOMÃO- UM LIVRO DE AMOR, SEXO E POESIA

Prof. Osvaldo Luiz Ribeiro
Professor do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil

É verdade. Cantares é um livro de poesia de amor. Não amor platônico, mas de ardente amor sensual. Belíssimo livro e belíssimas poesias, que podem inspirar o relacionamento entre o homem e a mulher cristãs em sua expressão de amor. Podem – e devem inspirá-los. Que bom seria se às vésperas das núpcias, os casais estudassem Cantares: de delícias! Que alegrias! Que harmonia! Ó, Deus, como nos ama tanto! Uma lição importante desse livrinho de amor, encontra-se no seguinte trecho (Ct 1,15-2,3):

O amado fala para a amada:
"Eis que és bela, amada minha, eis que és bela! 1,15bTeus olhos, pombas..." (1,15a)

A amada fala para o amado:
"Eis que és belo, meu amor!1,16b Tão atraente és, quanto viçoso é nosso leito..." (1,16a)

O amado declama:
"As vigas de nossas casas, cedros;1,17b nosso teto, ciprestes!" (1,17a)

A amada declama:
"Eu, um narciso de Saron, uma açucena do vale!" (2,1)

O amado declara:
"Como uma açucena entre os espinhos,2,2b assim é minha amada entre as jovens..." (2,2a)

A amada declara:
"Como macieira entre as árvores do bosque,2,3b assim é meu amor entre os jovens..." (2,3a) "Em sua sombra eu suspirei e me assentei,2,3d E seu fruto é doce ao paladar..." (2,3c)

Que cena belíssima! O ambiente é poético e construído com descrições tiradas aos bosques (cedros, ciprestes) e aos jardins (narciso, açucena) – os dois amados estão sob os cedros e ciprestes, entre flores e puro viço vegetal (leito viçoso). Quem sabe cantam os pássaros (1,15b)? Talvez estejam deitados na relva (leito viçoso), e tenham momentos de se olhar nos olhos (teus olhos, [são] pombas).

Certamente, amam-se (2,3d). É, portanto, um poema de amor ambientado na flora – é entre cedros, ciprestes, narcisos e açucenas que a poesia os flagra em amar um ao outro. Os cedros servem-lhes de casas, os ciprestes são seu teto. A relva é seu leito. Flores e árvores, seus companheiros... Mas estão sós, entregues ao amor que sentem um pelo outro. E há muita ternura em meio ao desejo que experimentam. É assim que Storniolo e Balancin traduzem a referência às pombas (1,15), considerando, ainda, que “terminada a relação íntima, resta a ternura que prolonga serena e seguramente a relação amorosa”, numa referência a Ct 2,6.

Esse trecho lembra muito Ct 7,11-14, onde o ambiente é também a flora, cujos efeitos afrodisíacos encantam a amada e cujo tema é o desejo. Em Ct 1,15-2,3, a flora também serve de cenário para o encontro dos amados, e seu amor se derrama em gestos e palavras. Podemos simplesmente nos deixar tomar pela poesia e assim nos inebriarmos também nós desse amor sublime; mas também podemos observar que relações pode haver entre casas que são cedros e teto que são ciprestes e as declarações de amor e fidelidade que trocam entre si e declaram à flora que os cerca. Bem, na verdade uma coisa não prescinde da outra...

Tomemos as expressões cedros e ciprestes como mais do que apenas um motivo poético. Se nos perguntarmos sobre que sensações o amado deixa extravasar quando declama, e recorre à figura dos cedros e dos ciprestes, de que sensações poderemos falar senão, já, de segurança? A poesia os flagra trocando juras de amor e declarando fidelidade – há razões para nos surpreendermos com a constatação de que a sensação que invade os amantes é a segurança que amor e fidelidade geram? Também a amada declama ser um narciso e uma açucena (em hebraico, ambas as palavras são femininas). É uma sensação de completa harmonia com a flora, com a vida, com a história, que somente o amor e a fidelidade traduzem na forma de segurança.

A sensação de segurança gerada pelo amor Que trocam juras de amor penso estar claro. Os versos 1,15 e 16 são um diálogo. O amado fala para a amada e a amada fala para o amado. O que falam? Trocam palavras de elogio – ele a acha bela, e ela o acha belo. Ela ainda lhe diz ser atraente, e que seu leito é viçoso (não esqueçamos que o poema coloca os amantes num cenário misto de bosque e jardim, com árvores e flores por toda parte). Perceba o leitor que quando falam assim um para o outro, estão se olhando nos olhos: o amado, dizendo que ela é bela, continua: “teus olhos, [são] pombas...” – ele está olhando dentro dos olhos dela. Se estão deitados, não sabemos; sentados de joelhos, um frente ao outro? Não sabemos – mas se olham, isso é certo! Se falam, isso é fato... fato poético, mas fato.

Some o leitor essas palavras dos versos 15 e 16: amada, bela, olhos, pombas, amado, belo, atraente, leito viçoso – o que construímos? Um encontro de amor! Nossos enamorados estão vivendo um momento de amor. As sensações que invadem o amado dirigem seus olhos para os olhos da amada, e, quando se encontram seus olhos, ele suspira: “_ Bela!”. Quem resiste ao amor? Quem não se entrega a essa força tremenda, dádiva de Deus e bênção divina? Não o amado... O amado se entrega ao amor, entregando-se à amada...

Sim, o amado deixa-se fundir ao ambiente, porque as sensações do amor são mágicas e geram harmonia ao redor de si. Stadelmann, por exemplo, descreve os versos 2,1-3 em termos de harmonização de sensações e emoções . Não admira que a estrofe de 1,17 transforme os cedros em casas e os ciprestes no teto dos amantes, porque há uma fusão de sensações, e as personagens fundem-se com o cenário em autêntica harmonia poética. É por essa mesma razão – por ser tomada de plenas sensações de amor, que a amada se sente em perfeita harmonia com as flores que circundam seu leito floral. Ela mesma é uma delas (2,1). O lugar onde estão serve de motivo para falar de suas sensações – e suas sensações são segurança e poesia, a segurança do amor, a poesia do desejo e da ternura.

Repare o leitor que não se trata de sentimento que o amado guarde para si, e que a amada oculte em seu peito – não! Ele se declara para ela, ela se declara para ele. Isso é cedro, isso é cipreste: olhar nos olhos da amada, olhar nos olhos do amado, e falar, declarar, trocar juras – diariamente! Não há vendaval que abale um romance assim – de olhos e palavras, atração e romance, desejo e amor... Maravilhosas Escrituras que nos guardaram esse poema!... Se os leitores permitirem a citação de dois versos de Diariamente, poema de Nando Reis cantado por Marisa Monte, poderia ilustrar o que venho de dizer, acrescentando assim:

“Para o beijo da moça: paladar (...) para os dias de folga: namorado (...) para você o que você gosta: diariamente”

Ah, amados: precisamos construir um leito viçoso desses em nosso romance (1,17b). Se somos casados, pernoitemos entre as alfenas (7,12) e aspiremos o perfume das mandrágoras (7,14), olhemos nos olhos de nossa amada (1,15), de nosso amado, troquemos juras de amor (1,15a.16a), compartilhemos elogios, colecionemos palavras e gestos em caixinhas frágeis como o coração que ama, e permitamos que a dádiva do amor e a bênção do desejo e da ternura cumpram sua vocação no Éden conjugal. Se somos namorados – ou estamos ainda à busca do sonho, plantemos nossos ciprestes, semeemos nossas açucenas – cultivemos nosso jardim: quando chegar a hora, que colhamos de seu fruto, e que beijemos suas pétalas de veludo... diariamente. Oh, Deus, como te amamos!

A sensação de segurança gerada pela fidelidade Mas que dizer dos versos 2,1-3? Acrescentarão qualidade ao verso 17? Oh, sim, e quanta! – e mais do que isso, também traduzem plena satisfação pessoal proporcionada pelo romance.

Há um crescendo de sensações à medida que o poema avança. Nos versos 15-16, estão ambos plenamente presentes. Trocam elogios de beleza e amor, olhando-se nos olhos. Mas o amor é poderoso, e Deus o fez de tal forma que se torna maior do que o amado, maior do que a amada, maior do que os dois juntos. Assim tomados pelo amor, o amado apela para a flora, para poder expressar-se, porque a consciência a razão tornam-se inadequados – só a metáfora ainda serve para declamar as sensações que os invadem: os cedros, os ciprestes, o narciso, as açucenas (1,17-2,1). O ambiente floral os toma a eles, e o amor torna-se poesia. Sentimento puro é pura poesia – quanto mais sentimento tornado toque físico e sensação humana de amor! Não deixemos escapar que depois dos olhos (1,15) surge o leito (1,17), se já não é no leito que se olham, sem pudores... Oh, Deus, como o amado pode expressar tudo quanto experimenta se não recorre à poesia?! E que resta à amada senão tomar-se a si por uma açucena do vale, entregue ao vento?! Do desejo, saltam à poesia; do diálogo, à declamação. Mas é com os versos 2,2-3 que chegam ao auge das sensações, e o que era diálogo e se tornara declamação, converte-se agora numa declaração vigorosa de fidelidade: (Eu [sou] do meu amado, Ct 7,11). Os amados se bastam, mutuamente...

Que se trata de juras de fidelidade parece mais do que claro: o amado tem na sua amada a figura da açucena, que ela mesma usara em sua declamação (2,1). Se a amada é uma açucena, declara o amado, então todas as demais jovens são como espinhos! Comparada a ela, as outras jovens não são de se tocar ou cheirar, sequer são belas. O amado só tem olhos para a sua açucena – e as jovens não lhe podem mais roubar o coração, porque a amada já o roubou (4,9). Parece que o amado declara seu voto de fidelidade para que todos ouçam, e onde quer que esteja, todos saibam que ele é dela.

E que tem ela a gritar para que todos ouçam? Que os demais jovens, se comparados a seu amado, são como árvores do bosque comparadas à macieira – não têm frutos a dar, enquanto que o fruto do amado, ah, esse lhe é dulcíssimo à língua... Quem ouve a amada falando assim, pode reconhecer que o que ela diz em 7,11 é verdadeiro: eu sou do meu amado. Perceba-se que não é ela quem exige fidelidade dele, nem ele dela. Ele é que se sente invadido pela sensação da fidelidade – deseja-a tanto, ama-a tanto, que não concebe nenhuma outra palavra senão esta: quero só você, amor! Também não é ele quem exige dela fidelidade – é também ela que, tomada pelas mesmas sensações, suspira tanto pelo amado, quer-lhe tanto que não lhe passa pela cabeça, cabeça? não, não lhe passa pelos poros do corpo inteiro nada que não a declaração de fidelidade: eu sou do meu amado.

Amor e fidelidade – jardim que se deve aguar todos os dias Como se pode amar tanto e ser tão fiel? Como manter as mesmas sensações do amado pela amada, e da amada pelo amado? É possível que também nós nos movamos nesse jardim e namoremos nesse bosque? Penso que sim.

É verdade que as sensações do poema são sensações extremas: trata-se, afinal de contas, de um encontro de amor, e as sensações de um encontro de amor, nós o sabemos, não são as mesmas de uma conversa sobre os filhos e como passamos o dia, antes de dormir, depois de um dia de cansativo trabalho: a vida não é o tempo todo pura poesia. Mas o amor é o mesmo e a fidelidade também. Haverá momentos em que experimentaremos essas mesmas sensações que as Escrituras homologam como saudáveis e boas, impressas em nosso corpo de barro pelo sopro de Iahweh ‘Elohim (Gn 2,7). Sim, o desejo e as sensações de amor que o acompanham estavam naquele sopro – são pois uma centelha divina, boníssima, de que não devemos nos envergonhar nem tratar com menosprezo. Antes, render muitos agradecimentos ao Pai pelo dom do amor conjugal – causa de muito prazer e harmonia – segurança, portanto, e pura ternura para marido e mulher.

O segredo é tornar todos os dias num jardim, e todas as tardes num bosque... diariamente. Se não quisermos manter a linguagem poética, diria que o segredo é o voto de amor e de fidelidade, diariamente renovados. Devemos renovar todos os dias, os votos de amor e de fidelidade. Todos os dias, dizer a nós mesmos que amamos nossa amada ou nosso amado. Todos os dias, dizer a ela ou a ele que estamos repletos de amor e nos rendemos. Todos os dias, declarar ao mundo que nos cerca que somos fiéis – que somos dela, somos dele, somos do amor que nos conquistou, que nos roubou o coração, e não tem jeito.

Homens, homens – se temos olhos, fixemos esses olhos nos olhos de nossas amadas. Olhos que muito saltitam aqui e ali se esquecem de renovar seus votos, e os espinhos, que espinhos eram, tornam-se agradabilíssimas flores fresquíssimas, cheirosas, apetitosas, e lá se vai o amor que um dia experimentamos... e lá se vai casamento vale abaixo... Homens, homens, olhem para suas esposas, nos olhos delas (1,15b), e falem para elas que as amam (1,15a), e que suas casas são cedros, e que o teto de vocês são ciprestes (1,17), que ela é bela e seus olhos, pombas... Falem com suas esposas, maridos: tenham certeza de que elas gostam muito disso. Falem: e ouvirão a amada, suspirando – eu sou do meu amado!

Mulheres, mulheres, tratem bem de seu leito, mantendo-o viçoso (1,16b). Não sintam vergonha de olhar para seu marido e confessar aos 30 anos, aos 40, aos 50, aos 60... que ele a atrai (1,16b) e que você está viva!, e que se sente tomada de ternura e de desejo. Fale para ele que ama e que o ama (1,16a) e não se sinta menos cristã porque gosta dos beijos de sua boca (1,2). Permita-se viver ao lado de seu marido, e sinta plenamente o vigor com que Deus brindou vocês, mulheres maravilhosas, que fazem de nós homens pequenos-bobos de amor, e tolos poetas, que poesia não fazemos. Calamos de amor... é o amor quem declama. Façamos nossas juras de amor diariamente, e renovemos todos os dias nosso votos de fidelidade.: “_ Oh, Deus maravilhosíssimo. Quem é como tu?”.
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