Obras da carne: prostituição, a deturpação do respeito


Alan Brizotti

Quando Paulo lista as "obras da carne", começa logo pelo vocábulo "prostituição", palavra hoje muito ouvida por todos. O apóstolo utiliza o vocábulo grego "porneia". Palavra bem geral para as relações e relacionamentos sexuais ilícitos e imorais. Porneia é a prostituição, e pornê, equivale a uma prostituta.

Há grande probabilidade de que estas palavras tenham ligação com o verbo pernumi, que significa “vender”. Portanto, essencialmente, Porneia é o sexo comprado e vendido – o que não pode ser chamado de amor, visto ser uma relação absolutamente monetária. Não pode ser amor porque a pessoa que se submete a esse tipo de relação não é realmente considerada pessoa, mas objeto. A palavra descreve o relacionamento em que uma das partes pode ser comprada e descartada como um verdadeiro objeto, e onde não há união de personalidade e afeto, muito menos respeito. É uma palavra extremamente furiosa com sentimentos e emoções.

É interessante o fato de que Paulo comece a lista das obras da carne com esse tipo de conduta pecaminosa. A vida sexual do mundo greco-romano nos tempos do Novo Testamento era absurdamente libertina. J. J. Chapman, descrevendo os tempos em que vivia Luciano, na primeira metade do século II, escreve: “Luciano vivia numa época em que a vergonha parecia ter sumido da terra”. Esse mundo greco-romano era regido por uma atmosfera de sexualidade deturpada.

Nos escritos de Demóstenes, por exemplo, há uma passagem que trata a conduta sexual leviana de forma assustadoramente normal: “Mantemos amantes para nosso prazer, concubinas para as necessidades diárias do corpo, mas temos esposas a fim de produzir filhos de modo legítimo e de ter uma guardiã fidedigna dos nossos lares”. Nesse contexto de libertinagem, essa palavra ganha imensa proporção.

Sólon foi o primeiro a legalizar a prostituição e a abrir prostíbulos do Estado, e os lucros destes eram usados para erigir templos aos deuses da Grécia libertina. Roma, que foi contaminada pelos pecados sexuais dos gregos, também não ficava atrás. Sêneca chegou a escrever: “A inocência não é rara; simplesmente não existe”. A classe alta da sociedade romana se tornou grandemente promíscua, Messalina, a imperatriz esposa de Cláudio, saía às escondidas do palácio real à noite a fim de servir num prostíbulo público. Juvenal conta que ela era a última a sair e, “voltava ao travesseiro imperial com todos os odores dos seus próprios pecados”. Uma sociedade contaminada por uma sexualidade desvairada em todos os seus níveis.

Talvez ninguém seja mais conhecido em questões de sexualidade deturpada do que Calígula, que vivia em incesto com sua irmã Drúsila, isso sem mencionar as diversas formas de perversão que ele praticava. Nero, outro imperador renomado e devasso, não poupou nem mesmo sua própria mãe, Agripina. Ele também era “casado” com um jovem castrado, com o nome de Esporo, e ainda passeou com ele por todas as ruas de Roma, em cortejo nupcial.

Paulo coloca-se absolutamente contra toda essa imoralidade sexual que apodrecia seu tempo. Para o apóstolo, o cristão autêntico não pode aceitar passivamente uma conduta sexual distorcida. Ele se espanta com a atitude dos Coríntios de não se sentirem horrorizados diante do caso do homem que estava coabitando com a esposa do próprio pai (I Co. 5. 1,2). Paulo expressa não somente uma teologia, mas um sentimento que ele mesmo estava vivenciando.

Paulo, mostra em suas cartas uma série de ordenanças aos cristãos autênticos sobre a maneira ideal de se comportar diante desse tipo de pecado. O cristão deve se arrepender (II Co. 12. 21); deve abster-se totalmente de tal coisa (I Ts. 4. 3); deve fugir dela (I Co. 6. 18), inclusive, esse foi o meio mais decisivo e determinante na vitória de José sobre sua tentação sexual pela esposa de Potifar (Gn. 39. 11,12); deve mortificar estas atividades (Cl. 3. 5). Esse pecado é onde o homem profana claramente seu próprio corpo, e isso fere o propósito de Deus para o corpo do homem (I Co. 6. 13).

Muitos estudiosos chegam a afirmar que a castidade foi a única virtude completamente nova que o cristianismo introduziu no mundo pagão. Isso não foi tarefa fácil, pois para a mentalidade pagã, a imoralidade era normal e o gnosticismo também influenciava, uma vez que, se o corpo é mau como pregava essa doutrina, não importa o que se faz com ele. Somente os gnósticos que seguiam um ascetismo rígido acreditavam que precisavam negar os desejos do corpo. Mas o que não compreendiam é que, quando se trata de uma obra da carne, somente pelo poder do Espírito é que estaremos aptos a batalhar e vencê-la.

Outro grave problema enfrentado pelo cristianismo foi o de que em muitos casos a prostituição era largamente associada à religião. Havia a chamada “prostituição sagrada” (hierodulismo, termo derivado de hiero, templo). Em Corinto, por exemplo, havia o Templo de Afrodite, onde havia milhares de prostitutas. Muitas delas, desciam para as ruas da cidade ao cair da tarde para exercerem sua “profissão”. Por incrível que pareça, religião e imoralidade andavam juntas. Sempre que a religião for somente um emaranhado de tradições e formulações humanas, estará sujeita a esses constantes pecados.

Por isso Paulo começa a lista com essa palavra, pois o que mais acontecia em seu mundo, em seu tempo histórico, era exatamente esse tipo de conduta. Assim, ser cristão era experimentar o milagre da pureza numa sociedade da podridão moral. A prostituição é a deturpação máxima do respeito, é a violência onde a honra e os sentimentos mais puros são corrompidos. Assim como Paulo somos chamados a bradar contra toda essa corrupção sexual que impera em nossos dias. Não podemos - e não devemos - ser cristãos anacrônicos, distantes de nosso tempo histórico, carecemos urgentemente de um retorno ao ministério profético da igreja, denunciando esses males, provendo um lugar de pureza moral e defendendo a genuína fé e vida cristã.
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