A paz do
Senhor!
Pastor Flávio, tenho uma dúvida será que o Sr. poderia me ajudar? O
Devorador é um anjo ou Demonio, pergunto porque pelo que vejo foi deus que
enviou e é ele que repreende,
Malaquias
Cap 3, qual o seu parecer?
Att
Caio
Flávio Peres
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Graça e paz, amado!
Antes de responder sua pergunta,
como teólogo que sou, tenho por obrigação de consultar o que a bíblia fala a
respeito do termo “devorador”, em que textos e quais os contextos.
Vejamos:
- · Deles comereis estes: a locusta segundo a sua espécie, o gafanhoto devorador segundo a sua espécie, o grilo segundo a sua espécie, e o gafanhoto segundo a sua espécie. Levítico 11:22
- · E por causa de vós repreenderei o devorador, e ele não destruirá os frutos da vossa terra; e a vossa vide no campo não será estéril, diz o SENHOR dos Exércitos. Malaquias 3:11
- · O que deixou o gafanhoto cortador, comeu-o o gafanhoto migrador; o que deixou o migrador, comeu-o o gafanhoto devorador; o que deixou o devorador, comeu-o o gafanhoto destruidor. Joel 1:4
- · Restituir-vos-ei os anos que foram consumidos pelo gafanhoto migrador, pelo destruidor e pelo cortador, o meu grande exército que enviei contra vós outros. Joel 2:25
É bastante frequente, em nossas
igrejas, ouvir o argumento de que o cristão deve dar o dízimo, sob pena de ser
amaldiçoado e destruído, financeiramente, por um demônio conhecido como
"devorador". Sobretudo, a despeito da famierada teologia da prosperidade que tem sido apregoada, utilizando-se de meios de comunicação em massa.
Mas, existe um demônio chamado
"devorador"?
Visto que o trecho de Malaquias
3:11 é utilizado como apoio à teoria da existência desse ser perverso, o melhor
meio para respondermos a essa pergunta é analisar o significa do termo
"devorador", nesse versículo.
Trazei todos os dízimos à casa do
Tesouro, para que haja mantimento na minha casa; e provai-me nisto, diz o
SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar
sobre vós bênção sem medida. Por vossa causa, repreenderei o devorador, para
que não vos consuma o fruto da terra; a vossa vide no campo não será estéril,
diz o SENHOR dos Exércitos. (Malaquias 3:10,11)
Utilizando um hermêutica
saudável, logo fica claro que o termo "devorador" foi utilizado como
recurso para designar as pragas que assolavam as plantações daquela
época: gafanhotos ou larvas.
O profeta Joel, por exemplo,
classifica alguns gafanhotos como devoradores:
O que deixou o gafanhoto
cortador, comeu-o o gafanhoto migrador; o que deixou o migrador, comeu-o o
gafanhoto devorador; o que deixou o devorador, comeu-o o gafanhoto
destruidor.(Joel 1:4)
O texto de Malaquias, nos ensina,
dessa forma, que Deus prometeu que repreenderia todas as pragas destruidoras de
plantações, caso o dízimo fosse entregue.
Mas alguém pode perguntar: não
poderíamos extrair um significado espiritual, mais profundo dessa passagem, de
forma que pudéssemos enxergar, no inseto devorador, a figura de um demônio?
Sabemos que a Bíblia é repleta de
linguagem simbólica. Temos metáforas, parábolas, tipologia, etc.
Sabemos, porém, que a linguagem simbólica predomina em alguns gêneros
literários específicos, entre eles, a profecia e a poesia.
Acredito que, pela literalidade
da passagem estudada, não há condições de ligar a figura do devorador a um
demônio.
Também existem objeções
teológicas contra essa afirmação de que um demônio fica à espreita do crente,
pronto para minar as suas economias, caso pare de dar o dízimo:
Como primeira objeção, a palavra
de Deus nos afirma que o Senhor Jesus Cristo nos deu autoridade sobre os
demônios: Estes sinais hão de acompanhar aqueles que crêem: em meu nome,
expelirão demônios..." (Marcos 16:7). Talvez alguém diga que esse tipo de
demônio não dá para expulsar quando o crente está em uma situação de
desobediência. Sabemos, porém, que o nome de Jesus Cristo tem poder, e que até
falsos cristãos são capazes de expulsar demônios usando o Seu nome. No juízo
final, muitos dos que irão para o inferno utilizarão a desculpa de que
expulsaram muitos demônios; apesar disso o Senhor dirá "não vos
conheço". Se há, portanto, algum demônio querendo arruinar a vida do
crente, creio que, pelo poder da fé, ele seja capaz de expulsá-lo.
Não considero prudente utilizar
os exemplos de Paulo e Jó para comprovar que os demônios, podem sim, atormentar
o crente. Eles não foram atormentados por serem desobedientes, mas por serem
obedientes. Além disso, no caso de Paulo, o mensageiro de Satanás que o
esbofeteava bem poderia ser a representação das perseguições que ele sofria,
levadas a efeito por homens que eram instrumentos de Satanás.
Como segunda objeção,
particularmente, tenho dificuldades em entender que um cristão fique debaixo de
maldição por não dar um dízimo. A Palavra de Deus declara a bendita condição
daqueles que são filhos de Deus: eles são a bendita descendência espiritual de
Abraão, estão assentados nas regiões celestiais, são sacerdócio santo, são
novas criaturas, foram resgatados da maldição da lei, foram transportados do
reino das trevas para o Reino de Deus; todas as coisas contribuem para o seu
bem, etc.
Eu não acho plausível que Deus,
depois de ter feito tanta coisa por nós, permita que uma maldição recaia sobre
nossas vidas só porque não damos o dízimo. E o caso daquele que dá o dízimo num
mês e no outro não dá? Ele é abençoado num mês e amaldiçoado no outro? Estou
persuadido de que, para que o crente perca a sua condição de abençoado, há um
longo caminho de desobediência para trilhar. Enquanto ele não chegar ao fim
mortal desse itinerário de apostasia, o Deus dos céus continua a considerá-lo
como um abençoado.
A essa altura você deve estar
pensando, o Pr. Flávio certamente não é dizimista, caso contrário não estaria
dizendo todas essas asneiras.
Engano seu. Dou graças a Deus por
que sou dizimista. Mas não fui persuadido a ser dizimista por causa de alguma
ameaça divina que me deixou aterrorizado, a ponto de dizer: "ai meu Deus,
se eu não der o dízimo o devorador vai acabar comigo!"
Acredito que a maioria dos
dizimistas tem outros motivos para contribuir para a causa do Senhor. Assim
como Abraão e Jacó, os servos do Senhor dizimam impulsionados por um imenso
sentimento de gratidão por todos os benefícios que eles têm recebido do Senhor.
A maioria dos crentes que conheço não entregam o dízimo por medo, mais entregam
com coração voluntário e grato. Esse gesto, na maioria dos casos, é acompanhado
por um sentimento de profundo amor para com Deus.
Finalizando, portanto, quero
dizer que nossos pastores poderiam utilizar argumentos melhores para persuadir
os crentes a darem o dízimo:
Em primeiro lugar, poderiam
ressaltar a bondade de Deus em nossas vidas. Ele nos salvou, nos transformou,
nos deu uma família, um emprego, saúde. Nada mais justo retribuir a todos esses
benefícios em prol da obra do Evangelho.
Em segundo lugar, os pastores poderiam ser
mais transparentes na administração dos recursos financeiros oriundos de
dízimos e ofertas. Há igrejas em que o pastor não presta contas, e quando um
membro pede para ter acesso aos dados financeiros, recebe a resposta de que
quem dá o dízimo cumpre uma obrigação diante de Deus e não precisa depois ficar
sabendo para onde foi à contribuição. Como os cristãos se sentirão
impulsionados a dizimar numa situação como essas? A Igreja, pelo código Civil,
é regida pelas normas que se aplicam a associações, significando, portanto que
todo membro é um administrador dos bens da igreja. Ninguém vai continuar dando
dízimo se perceber que os bancos da igreja continuam quebrados, que os
banheiros são sujos, etc.
Certamente existem outras
maneiras de persuadir aos crentes a darem o dízimo que não seja esse recurso
terrorista. Sei que falar sobre dízimo sempre é algo muito delicado, pois gera
sempre intensas discussões. Há muito debate sobre a licitude ou não da cobrança
do dízimo.
O meu objetivo foi incutir, na
mente de meus leitores, apenas esta idéia: se quiser pedir aos crentes que dêem
o dízimo, peça direito e sem violentar o texto bíblico.
Pr. Flávio Nunes
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